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O que aprendi com Paulo Freire?

Atualizado: 26 de nov. de 2020

Pedras Fundamentais


Muitos são os mestres de referência que são “pedras fundamentais” no trabalho que realizei como professora, coordenadora, supervisora, formadora e assessora. Aos poucos, quero trazê-las(os). Mas, não poderia deixar de inaugurar este espaço com minha principal referência - Paulo Freire, patrono da educação brasileira.

Quando assumi como professora na rede municipal de ensino da cidade de São Paulo, Paulo Freire era o então Secretário Municipal de Educação. Já havia lido e estudado algumas de suas obras e é fato que já o admirava como autor. No entanto, iniciar como professora na rede pública e viver a gestão freireana na prefeitura de São Paulo foi um divisor de águas na minha vida profissional e na minha formação.

Por isso, não ouso trazer Paulo Freire como uma novidade, embora reconheça que toda vez que faço e refaço a leitura de um de seus textos, eu fico perplexa diante de novas descobertas. Trago Paulo Freire como aquele mestre de referência que quando a gente dialoga, encontra amparo para prosseguir, para sustentar princípios e tentar viver a educação de forma diferente, complexa e mais humanizada.

Tampouco, ouso indicar Paulo Freire como leitura obrigatória - o que ele próprio odiaria porque detestava tudo o que fosse obrigatório.

“Esta intenção fundamental de quem faz a bibliografia lhe exige um triplo respeito: a quem ela se dirige, aos autores citados e a si mesmos. Uma relação bibliográfica não pode ser uma simples cópia de títulos, feita ao acaso, ou por ouvir dizer. Quem a sugere deve saber o que está sugerindo e por que o faz. Quem a recebe, por sua vez, deve ter nela, não uma prescrição dogmática de leituras, mas um desafio. Desafio que se fará mais concreto na medida em que comece a estudar os livros citados e não a lê-los por alto, como se os folheasse, apenas.” (FREIRE, Paulo – Considerações em torno do ato de estudar – Chile:1968)

Não quero indicar uma de suas obras para leitura porque tenho muitas delas como referência, embora já tenha presenteado muita gente com Pedagogia da Autonomia e sempre recorra a ela.

Pedagogia da Autonomia é o livro de bolso que carrego para todo o lado, daqueles livros que ficam gastos de tanto que a gente lê e relê. Gosto destes livros que ficam com cara de livro que ganhou vida e estrada, que circulou muito, passou de mão em mão. Livro que tem marca de suor, risco de anotação e pingado de café, não porque a gente o desconsidera, mas porque o livro pulou da estante e ganhou vida.

Pronto! Admito! Tenho que admitir que Pedagogia da Autonomia é o meu livro predileto, aquele ao qual sempre recorro, mas insisto: a obra de Freire é vasta, importante e bonita para quem lida com arte, com cultura e com educação; para quem não cansa de ler o mundo com a ajuda das palavras. Ouso sugerir que todos lessem livros, textos, cartas ou algum escrito de Paulo Freire porque para mim isso sempre faz encontro com a “humanidade”, com minha “humanidade”, me convoca para meu compromisso com os outros e com o mundo, com a delicadeza e a boniteza da vida.

Como não indicarei a leitura de uma obra ou texto, nem abordarei conceito ou ideia de Freire, penso em dividir com a leitora(r) o que Paulo Freire contribui e contribuiu para a minha formação.

O que aprendi com Paulo Freire?

  • Aprendi que educar é um ato de liberdade, um ato transformador e que por isso mesmo exige respeito, amorosidade e rigorosidade. É preciso muita disciplina, muito compromisso para ser livre;

  • Aprendi que se quiser fazer valer uma ideia ou princípio tenho que dar minha prática testemunhal acerca daquilo que falo e penso, que é preciso corporificar os conhecimentos, vivê-los como experiência, dar o exemplo e isso é sempre muito difícil e exigente: fazer e viver o que se diz e o que se pensa;

  • Aprendi a encontrar boniteza nos processos de ensino e aprendizagem e na escola. Sei que fazer educação, arte e cultura são “coisas sérias”, mas bem sérias mesmo, tão sérias que dotadas de beleza indescritível;

  • Aprendi que não devo deixar de sonhar e que meus sonhos se fortalecem quando outras pessoas se juntam a eles;

  • Aprendi que a leitura do mundo vem antes da leitura da palavra, mas que quanto mais leio palavras, imagens e gestos, mais amplio minha capacidade de ler o mundo e por isso me esforço muito, por isso busco muitos caminhos de linguagem e comecei a estudar “metáforas” e “narrativa”;

  • Aprendi que somos sujeitos históricos que cada um tem a sua história, que toda história é importante e merece ser escutada e valorizada. Se somos históricos, podemos até estar condicionados a uma forma de viver, mas somos responsáveis por nossas escolhas, podemos mudar o rumo da história, não precisamos aceitar as coisas como elas são porque nem tudo é natural (grande parte daquilo que nos cerca é criação de homens e mulheres, mesmo);

  • Aprendi que preciso estudar e conversar “sobre” e “com” os saberes e a história das pessoas, dos grupos e das comunidades. Por isso, passei a pesquisar e estudar “memórias”, por isso não inicio projeto sem procurar conhecer o contexto no qual este projeto se realiza ou realizará;

  • Aprendi que precisamos participar efetivamente de uma experiência grupal, real e concreta de trabalho com arte, educação e cultura, pois é a partir de nossa experiência e participação que conseguimos colocar nossas marcas e transformar o mundo. Pensamos, estudamos, pesquisamos e participamos a partir de nossa própria experiência. É muito importante conhecer e problematizar a realidade e o contexto em que vivemos;

  • Aprendi que estudar é “curiosar” o mundo, conhecer nosso contexto. Quando a gente se põe a estudar é mais importante fazer perguntas do que achar respostas porque de nada adianta “consumir ideias se eu não posso criá-las e recriá-las”;

  • Aprendi que teoria não se desvincula de prática. Aprendi que no trabalho, na vida e na lida com as pessoas, quando vivemos uma experiência de conhecimento genuína e autêntica, usamos o corpo inteiro. “O corpo humano é um corpo consciente. Está errado separar o que se chama trabalho manual do que se chama trabalho intelectual.” E por isso, me preocupo muito em viver a formação com o corpo todo, com emoção na voz, mexendo com as mãos, amassando pão e barro, organizando espaços, tricotando...

  • Aprendi que quando registro e reflito sobre o que sou e o que faço transformo minha “prática” em “práxis”. Que toda ação necessita de planejamento. “Planejar a prática significa ter uma ideia clara dos objetivos que queremos alcançar com ela. Significa ter um conhecimento das condições em que vamos atuar, dos instrumentos e dos meios de que dispomos. Planejar a prática significa também saber com quem contamos para executá-la. Planejar significa prever os prazos, os diferentes momentos da ação que deve estar sempre sendo avaliada”(Freire);

  • Aprendi a pesquisar como sujeito e ver no diálogo com as(os) autoras(es), com as(os) mestras(es) de ofício, com as crianças, com as famílias, com a comunidade, com a arte e com a cultura transformar, aos poucos, minha curiosidade ingênua em curiosidade epistemológica;

  • Aprendi a me esforçar para romper a lógica da educação bancária e por isso penso em formação permanente de educadoras(es) no compromisso com o contexto, com o diálogo, com a cultura da instituição e dos lugares, sem abrir mão da segurança e de investir no aprimoramento de minha competência profissional;

  • Aprendi que posso sentir medo, mas não posso permitir que este medo me paralise, que preciso estar com os outros para expor e conversar sobre meus medos. Ah! Isso me enche de coragem e ousadia para traçar caminhos, me colocar em travessias, me deixar atravessar pelos outros, intervir no mundo!

  • Aprendi que as dimensões política, técnica, ética e estética andam de mãos dadas;

  • Aprendi que se quero ser uma educadora progressista preciso cultivar qualidades como coragem, respeito, tolerância e paciência;

  • Aprendi que preciso exercitar o “bom senso” sempre e sobretudo, para viver a “experiência tensa da democracia”, mas que não é possível abdicar da vida democrática porque quero as coisas mais fáceis e do meu modo;

  • Aprendi que é preciso reconhecer que a educação pode sim “oprimir”, mas que não a toa, Paulo Freire escreveu a Pedagogia do Oprimido e, também, a Pedagogia da Esperança. É preciso compreender as causas estruturais da opressão e entender que o esperançar freireano não é esperar, mas se colocar na luta e na lida para que a transformação aconteça;

  • Aprendi no trabalho com os “temas geradores” que o conhecimento verdadeiro não pode ser fragmentado em “caixinhas”, mas que os conteúdos, as disciplinas, os assuntos de uma pauta, as dimensões do nosso fazer estão interligados. Por isso, a educação precisa promover um conhecimento relacional, construído em rede de fios que se entrelaçam;

  • Aprendi a reconhecer aspectos objetivos e subjetivos na formação permanente e na educação, ouvir o mistério e incorporar a intuição;

  • Aprendi que tenho que me esforçar e exercitar cotidianamente todos estes aprendizados que racionalmente digo que aprendi. Sei que preciso me esforçar muito ainda para honrar estes aprendizados. Não é fácil. Mas, sigo tentando consciente de que não estou só e que isso só é possível no mundo com muitas outras e muitos outros.



Silvana Lapietra, SP: 2020


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